Eu tenho um melro Que é um achado. De dia dorme, À noite come E canta o fado. E lá no prédio, Ouvem cantar Já desconfiam Que eu escondo alguém Para não mostrar. Eu tenho um melro, Lá no meu quarto. Não anda à solta, Porque, se ele voa, Cai sobre os gatos. Cortei-lhe as asas Para não voar. E ele faz das penas Lindos poemas Para me embalar. Melro, melrinho, E se acaso alguém te agarrar, Diz que não andas sozinho Que és esperado no teu lar. Melro, melrinho E se, por acaso, alguém te prender, Não cantes mais o fadinho, Não me queiras ver sofrer. E não voltes mais, Que estas janelas não as abro nunca mais. Eu tenho um melro Que é um prodígio. Não faz a barba, Não faz a cama, Descuida o ninho Mas canta o fado Como ninguém. Até me gabo Que tenho um melro Que ninguém tem. Eu tenho um melro (Que é um homem!) Não é um homem (Quem há-de ser?!) É das canoras aves Aquela que mais me quer. (Deve ser homem!) Pois que não! (Então mulher) Há de lá ser!? É só um melro Com quem dá gosto adormecer. Melro, melrinho, E se por acaso alguém te agarrar, Diz que não andas sozinho Que és esperado no teu lar. Melro, melrinho, E se por acaso alguém te prender, Não cantes mais o fadinho Não me queiras ver sofrer. E não voltes mais, Que estas janelas não as abro nunca mais. E não voltes mais, Que a tua gaiola serve a outros animais.